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segunda-feira, 22 de maio de 2017

Os Dart Herald na Sadia/Transbrasil

A Sadia S/A - Transportes Aéreos, operava desde 1956 algumas aeronaves Douglas DC-3 e Curtiss C-46 entre Concórdia e Joaçaba, em Santa Catarina, e São Paulo, operando também nos aeroportos de Londrina, Florianópolis, Ribeirão Preto, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Brasília, no início da década de 1960..
O PP-SDI no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro
Omar Fontana, presidente da empresa, sentia que os velhos aviões a pistão já estavam cansados e obsoletos, e procurava alternativas para modernizar o equipamento. Empresas concorrentes, como a Varig e a Vasp, já usavam equipamentos com motores turboélice, Lockheed Electra e Vickers Viscount, assim como a Força Aérea Brasileira, que operava o Hawker-Siddeley (Avro) 748.
O G-APWA, que tinha operado como PP-ASV na Sadia, em Congonhas, prestes a ser devolvido. Notem os tanques subalares utilizados para o translado até a Inglaterra.
Fontana apreciava aeronaves britânicas, e buscou no Reino Unido, em 1963, uma aeronave que pudesse assumir as linhas que operava, substituindo os velhos Douglas e Curtiss. Estabeleceu um contato com a Handley-Page, que estava oferecendo no mercado uma aeronave turboélice bimotora, o HPR-7 Herald.

O G-ASVO, na Feira de Farnborough, antes de ser entregue à Sadia, mas já ostentando o esquema de pintura da empresa e com a matrícula PP-SDG oculta por adesivos.
A Handley-Page estava encontrando dificuldades de comercializar essa aeronave, devido a alguns erros estratégicos e mercadológicos, mas nada relacionado com a aeronave em si, muito dócil de pilotagem, com bom desempenho e adequada para a operação nas precárias pistas brasileiras de então. Equipado com os excelentes motores Rolls-Royce Dart, turboélices já amplamente experimentados nos Viscount, os Heralds tinham grande potencial.
O PP-SDL no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro
A Handley-Page já tinha feito uma turnê de apresentação do Herald, em 1962, na América do Sul, com o avião G-APWA, nas cores da BEA - British European Airways. Entre os pilotos que fizeram essa demonstração, estava o Príncipe Consorte  Phillip, marido da Rainha Elizabeth II.

Fontana negociou o empréstimo de duas aeronaves para operar em caráter experimental, antes de fechar um contrato para aquisição de cinco aeronaves, oferecendo seus Douglas DC-3 como parte do pagamento.

Nessa época, qualquer negociação de aeronaves pelas empresas aéreas precisaria ter aprovação do DAC -
Departamento de Aviação Civil, e Fontana infelizmente não obteve autorização para compra das aeronaves, conseguindo apenas aprovação para arrendar dois HPR-7 Heralds.

Incansável, Fontana iniciou uma perseverante maratona de negociações com o DAC, viajando várias vezes por semana ao Rio de Janeiro para conseguir autorização para comprar os aviões. Mais de dois anos foram necessários para obter autorização, que só veio em 1965, graças ao programa RIN - Rede de Integração Nacional, lançado pelo governo para atender cidades menores, com tarifas subsidiadas.
O PP-SDN veio substituir o PP-SDJ, perdido em acidente

Entretanto, enquanto negociava com o DAC, a Handley-Page arrendou e enviou uma aeronave à Sadia, um modelo -211, que foi matriculado no Brasil como PP-ASU, em 6 de dezembro de 1963. A aeronave correspondeu plenamente às expectativas, mas teve que ser devolvida à Handley-Page, em 19 de outubro de 1964. Em fevereiro de 1964, a Sadia arrendou a outra aeronave prevista no contrato, que foi matriculada como PP-ASV, e que operou até outubro de 1965. O PP-ASV foi a mesma aeronave antes usada pela Handley-Page como demonstrador em 1962, quando ainda era o G-APWA.

Uma característica interessante do PP-ASV é que essa aeronave era do raro modelo -100, dos quais apenas quatro exemplares foram construídos. Era um pouco mais curto que os os demais aviões usados pela Sadia, e tinha motores menos potentes. A aeronave voltaria a voar pela empresa posteriormente, com a matrícula PP-SDM.
O PP-SDM operou em duas épocas diferentes na Sadia/Transbrasil, primeiro como PP-ASV e depois como PP-SDM. Era um raro modelo -100, mais curtos que os demais, e foi o último a deixar a empresa

Em 1965, finalmente o DAC autorizou a aquisição dos bimotores britânicos, e cinco Heralds foram adquiridos, pelo valor total de um milhão e quinhentas mil Libras Esterlinas.

O PP-ASU foi devolvido, e a Sadia recebeu outra aeronave arrendada, em 4 de outubro de 1964, que foi matriculada como PP-SDG. Essa aeronave operou sob arrendamento por um ano e um mês, e foi comprada pela Sadia. Outro Herald arrendado chegou em setembro de 1965, e matriculado como PP-SDI, mas foi comprado pela Sadia apenas três meses depois.
O PP-SDG no Aeroporto Santos Dumont

Em janeiro de 1965, chegou o primeiro dos cinco Heralds da encomenda inicial, que foi matriculado como PP-SDH. O segundo chegou em dezembro de 1965, e foi matriculado como PP-SDJ. Em 1966, completando a encomenda, chegaram duas outras aeronaves, matriculadas como PP-SDL e PP-SDM. O PP-SDM era o mesmo PP-ASV, que tinha sido devolvido em 1965, e que voltou a operar pela Sadia desde então.
O PP-SDH no Aeroporto Santos Dumont, já na fase Transbrasil

Com uma frota de seis Heralds, aqui chamados simplesmente de Dart Heralds, os PP-SDG, PP-SDH, PP-SDI, PP-SDJ, PP-SDL e PP-SDM, pintados com um discreto esquema em branco com faixas azuis, a Sadia passou a operar diversas linhas, ligando inicialmente Rio de Janeiro, Congonhas, Londrina, Maringá, depois Congonhas, Londrina, Maringá, Cianorte, Umuarama, Toledo, Cascavel, e depois, Congonhas, São José do Rio Preto, Uberaba, Uberlândia, Goiânia e Brasília. Outros destinos foram incluídos nos anos seguintes.
O PP-SDJ foi perdido em um acidente em Curitiba

Em 3 de novembro de 1967, ocorreu o único acidente envolvendo um Dart Herald no Brasil. Durante uma aproximação em condições de forte trovoada e baixa visibilidade para o Aeroporto Afonso Pena, em Curitiba, o PP-SDJ chocou-se contra a Serra da Graciosa, no morro do Carvalho, com 20 passageiros e 5 tripulantes a bordo. A aeronave vinha de São Paulo-Congonhas. Dois tripulantes e dois passageiros conseguiram sobreviver. Foi um típico acidente do tipo colisão com o solo em voo controlado (CFIT - Controlled Flight Into Terrain), com indícios de desorientação, velocidade afetada por fortes ventos de proa e falsas indicações dos instrumentos, bem típicas daquela época.
Destroços do PP-SDJ na Serra da Graciosa, perto de Curitiba

A Sadia arrendou da British United outra aeronave, que foi matriculada como PP-SDN, em maio de 1968, para substituir o PP-SDJ. Entre janeiro e abril de 1968, outro Herald, matriculado como PP-ASW, foi arrendado até a chegada do PP-SDN.
Foto recente de um dos motores do PP-SDJ, na Serra da Graciosa

Em 1973, Omar Fontana abriu o capital da empresa, transferiu sua sede para Brasília e mudou seu nome para Transbrasil. Mas, desde 1968, Fontana já estava substituindo suas aeronaves, comprando jatos ingleses BAC One Eleven. Os primeiros desses aviões chegou em setembro de 1970, e aos poucos foram substituindo os Dart Herald. O PP-SDN foi devolvido em março de 1973, e os PP-SDG e PP-SDI foram entregues à BAC como parte de pagamento dos One Eleven, em março e abril de 1973, respectivamente.
Um Dart Herald em Londrina, em 1970.

A frota de Dart Heralds foi reduzida a três aeronaves, que foram empregadas em rotas que não podiam, por restrições de pista, ser cumpridas pelos One Eleven, e os aviões receberam esquemas de pinturas da Transbrasil, ainda temporários e não padronizados. O PP-SDM, por fim, acabou recebendo um esquema bastante semelhante ao do BAC One Eleven PP-SDS, denominado "Sol", em vermelho-laranja embaixo e amarelo-mostarda em cima.
O PP-SDH foi um dos três Dart Herald que operaram nas cores da Transbrasil

Os Dart Herald foram empregados em algumas rotas interessantes: A Braniff operou em code-share com a Sadia para que seus passageiros fossem transportados de Congonhas a Viracopos, único aeroporto de São Paulo capaz de operar a maioria dos jatos internacionais. A British United também arrendou os Dart Heralds para a mesma rota, operando gratuitamente o trecho para os passageiros dos seus VC-10 com destino ao Reino Unido.
O PP-SDM usando um esquema de pintura de transição, entre as fases Sadia e Transbrasil

A TABA arrendou os Heralds da Transbrasil entre 1975 e 1976, para operar a rota Belém-Caiena. Finalmente, em julho de 1976, a Transbrasil vendeu e mandou os PP-SDH e PP-SDL para o Reino Unido, onde os dois foram operar para a British Air Ferries. Em agosto do mesmo ano, o último Dart Herald, o PP-SDM, deixou o Brasil com o mesmo destino, e o tipo passou definitivamente à história na nossa aviação comercial. Essa última aeronave ainda se encontra preservada, mas nas cores da BEA - British European Airways, desde a sua desativação em 1982.
Os Dart Herald podiam ser operados em pistas não pavimentadas

AERONAVES HANDLEY-PAGE  DART HERALD OPERADAS PELA SADIA/TRANSBRASIL:

Nove aeronaves Handley-Page Dart Herald operaram na Sadia entre 1963 e 1976 (já como Transbrasil), sendo uma delas com duas matrículas:

PP-ASU: Handley-Page Herald HPR-7 Herald 211. C/N 161. Entregue à Maritime Central Airways, do Canadá, em 1962, como CF-NCK, e exibido na Feira de Farnborough em setembro de 1962. Devolvido à Handley-Page em 17/07/1963, como G-ASKK. Arrendado para a Sadia entre 12/1963 e 09/1964, e devolvido à Handley Page.Foi depois para a British Midland Airways e para a British Island Airways, ainda como G-ASKK. Em 1983, foi para a Air UK, com a mesma matrícula, e foi desativado em 29/04/1985. Está preservado no Norwich Aviation Museum.
O G-ASKK operou na Sadia como PP-ASU, e está preservado em Norwich, em ótimas condições

PP-ASV: Handley-Page Herald HPR-7 Herald 100. C/N 149. Entregue à Jersey Airlines como G-APWA, onde ficou de 05/1961 até 10/1961. A Handley-Page operou esse avião nas cores da BEA - British European Airways em 1962, em uma turnê de demonstração pela América do Sul. Arrendado à Autair, e depois para a Sadia, em 02/1964, onde foi matriculado PP-ASV. Devolvido em 10/1965, foi comprado pela Sadia em 11/1966, mas agora com a matrícula PP-SDM. Vendido para a BAF - Birtish Air Ferries em 08/1976, foi retirado de serviço em 1982 e preservado com as cores da BEA, em Woodley, Inglaterra.

PP-ASW: Handley-Page HPR-7 Herald 210. C/N 169. Aeronave arrendada por curto período para substituir o acidentado PP-SDJ, Fabricada em 1963, foi entregue à Sadia em 11/01/1968 e devolvido em abril do mesmo ano, sendo substituído pelo PP-SDN, que chegou em maio. Depois de devolvido, operou na Globe Air, como HB-AAH, e na BIA - British Island Airways, como G-AVEZ. Retirado de uso em 04/01/1983, situação atual incerta.

PP-SDG: Handley-Page Herald HPR-7 Herald 214. C/N 185. Registrado em 13/08/1964 pelo fabricante, como G-ASVO. Entregue à Sadia em 10/1964, como PP-SDG, onde operou até 09/03/1973. Foi para a British Midland Airways, e depois para BAF - British Air Ferries, como G-ASVO. Acidentado em 08/04/1987, , em Bournemouth, foi desmontado, mas sua seção anterior foi preservada no Higland Air Museum.

O PP-SDI no Aeroporto Santos Dumont

PP-SDH: Handley-Page Herald HPR-7 Herald 214. C/N 186. Entregue novo à Sadia em 01/1965, permaneceu na empresa até 06/1976, quando foi vendido para a Air UK, como G-BEBB. Depois foi para a Janus Airways, e finalmente para a Channel Express, onde recebeu a matrícula G-CEAS. Foi desmontado já nos anos 1990.

PP-SDI: Handley-Page Herald HPR-7 Herald 214. C/N 177. Registrado pelo fabricante como G-ATIG, foi entregue logo após para a Sadia, em 01/1965. Vendido em 04/1975 para a British Midland, coomo G-ATIG, e operou depois para a Brymon Airways e Janus Airways. Em 10/02/1993, foi comprado pela Nordic Oil Service Ltd. O destino final dessa aeronave não é conhecido.

PP-SDJ: Handley-Page Herald HPR-7 Herald 214. C/N 190. Entregue novo para a Sadia em 07/12/1965. foi perdido em acidente próximo a Curitiba, em 03/11/1967, com a perda de 21 das 25 pessoas a bordo. Foi o único Dart Herald acidentado no Brasil.

PP-SDL: Handley-Page Herald HPR-7 Herald 214. C/N 191. Entregue novo para a Sadia em 01/02/1966, foi arrendado para a TABA em 1976, e vendido em 06/1976 para a BAF - British Air Ferries, como G-BDZV. Arrendado à BIA - British Island Airways, em 1979, retornou à BAFe vendido à Trans Azur Aviation, como F-BVFP. Comprado em 1987 pela Aerovias SA, da Guatemala, foi retirado de uso algum tempo depois, e  seu destino é incerto.
O PP-SDM ainda com as cores da Transbrasil, mas já com matrícula britânica, quando foi devolvido, em agosto de 1976

PP-SDM: Handley-Page Herald HPR-7 Herald 100. C/N 149. Entregue à Jersey Airlines como G-APWA, onde ficou de 05/1961 até 10/1961. A Handley-Page operou esse avião nas cores da BEA - British European Airways em 1962, em uma turnê de demonstração pela América do Sul. Arrendado à Autair, e depois para a Sadia, em 02/1964, onde foi matriculado PP-ASV. Devolvido em 10/1965, foi comprado pela Sadia em 11/1966, mas agora com a matrícula PP-SDM. Vendido para a BAF - Birtish Air Ferries em 08/1976, foi retirado de serviço em 1982 e preservado com as cores da BEA, em Woodley, Inglaterra. Essa aeronave foi o último Dart Herald a operar no Brasil.
Interior do G-APWA, preservado em Woodley. Foi o PP-SDM da Sadia/Transbrasil

PP-SDN: Handley-Page Herald HPR-7 Herald 214. C/N 194. Originalmente entregue à British United, essa aeronave não chegou a voar nessa empresa e veio para a Sadia, em 05/1968, para substituir o PP-SDJ, perdido em acidente Foi devolvido em 18/04/1973 e operou pela BAF - British Air Ferries, como G-BAVX. Depois operou, supostamente, na Air Algerie, e na Euroair. Comprado pela Channel Express em 1991, foi desmontado algum tempo depois.


quarta-feira, 3 de maio de 2017

BAC One Eleven: O "Jatão" da Transbrasil


No final dos anos 60, a Sadia S/A - Transportes Aéreos operava uma frota basicamente constituída de aeronaves Handley Page Herald, turboélices modernos e eficientes. Eram conhecidos como Dart Herald, nome muito mais fácil de memorizar, e voavam principalmente nas regiões Sul e Sudeste do país.
O PP-SDS em Congonhas, 1974
Entretanto, seu Diretor-Presidente, Omar Fontana, pretendia expandir suas operações, e precisava de aeronaves de maior porte, de preferência jatos. Na época, Varig, Cruzeiro do Sul e Vasp operavam jatos, embora a Varig usasse apenas quadrimotores, de preferência nas linhas internacionais. Mas havia demanda, e Fontana não queria ficar para trás. Depois de analisar várias opções, principalmente entre os bimotores, já que o DAC, na época, não autorizaria a operação internacional da Sadia, acabou optando pelo jato inglês BAC-111, mais conhecido como One-Eleven. O opção pelo One-Eleven - 500 foi anunciada em fevereiro de 1969, e os aviões deveriam começar a operar no início do segundo semestre de 1970.
O LV-JNR da Austral foi arrendado por curto prazo pela Sadia, em 1970
A burocracia do DAC, que interferia pesadamente em qualquer compra das companhias aéreas naquela época, e as dificuldades com o contrato de financiamento dos aviões, retardou um pouco a chegada das aeronaves, e Fontana, impaciente, resolveu arrendar um One-Eleven da empresa argentina Líneas Aéreas Austral. Essa aeronave serviria como plataforma de treinamento para os tripulantes da aeronave, e também para testar a operacionalidade do avião nas linhas domésticas brasileiras. O One-Eleven 521FH LV-JNR, com menos de um ano de uso, veio para a Sadia e foi registrado no RAB - Registro Aeronáutico Brasileiro como PP-SDP, em 17 de setembro de 1970. O avião manteve o esquema básico de cores da Austral, branco, com faixas laterais vermelhas e pretas, já que o arrendamento seria de curto prazo, e também porque a Sadia queria criar um novo esquema de cores para os jatos, que ainda estava sendo pensado pelos executivos da empresa.
O PP-SDP, primeiro BAC 111 operado pela Sadia
Em 15 de outubro de 1970, no entanto, o primeiro dos dois BAC One-Eleven 520FN encomendados diretamente ao fabricante foi recebido pela Sadia. Foi matriculado no RAB  como PP-SDQ, e recebeu um esquema de cores ainda provisório, branco com faixas verdes e amarelas nas laterais, e um sol estilizado na cauda.
O PP-SDQ nas cores da Sadia

Omar Fontana batizou os novos aviões com o apelido, considerado bastante cafona e exagerado na época, de Jatão. O avião era menor que os quadrimotores da Varig e os Boeing 737-200 da Vasp, mas, mesmo assim, o apelido pegou e foi amplamente utilizado em todas as peças publicitárias veiculadas pela empresa.
O PP-SDR no primeiro esquema oficial de cores da Sadia para os One Eleven, mas já na época da Transbrasil
O segundo avião, do mesmo modelo, e matriculado no RAB como PP-SDR, foi recebido em 31 de dezembro de 1970, e em 8 de janeiro de 1971, a Sadia devolveu o PP-SDP para a Austral, onde o avião voltou a receber a matrícula anterior, LV-JNR. A Sadia ainda encomendou um terceiro One Eleven, série -520FN, que seria entregue apenas em 23 de setembro de 1972, e que seria matriculado PP-SDS.
Foto do PP-SDQ tirada a bordo de um Lockheed Electra da Varig, em 1972
Inicialmente, os dois One Eleven foram operados em uma longa linha que começava em Porto Alegre/RS, e que terminava em Belém, depois de fazer escalas em Florianópolis, Curitiba, Congonhas/SP, Galeão/RJ, Vitória, Brasília, Salvador, Aracaju, Maceió, Recife, Fortaleza e São Luiz. Com a entrada em operação do PP-SDS, foi possível incluir Manaus, via Brasília, na rota.
O PP-SDS ainda na Inglaterra, pronto para ser entregue à Transbrasil, sendo o primeiro a receber a pintura colorida que caracterizaria o tipo até o final da sua carreira na empresa
Os dois primeiros aviões foram configurados, inicialmente, em duas classes, com 12 assentos de primeira classe e 74 assentos de classe turística, sendo os assentos de primeira classe dispostos em 4 fileiras de poltronas, e os de classe turística em 5 fileiras. Posteriormente, a primeira classe foi eliminada, e todos os aviões receberam uma configuração definitiva de 94 assentos, com pitch de 34 polegadas entre as poltronas.
O PP-SDU, que foi o último BAC 111 da Transbrasil a voar no Brasil

Um One-Eleven usado foi comprado em setembro de 1971, e veio da British Midland,  Era modelo -523FJ. Recebeu a matrícula no RAB PP-SDU. Aparentemente, esse avião não veio de imediato para o Brasil, e continuou voando na Inglaterra, arrendado ao antigo operador. Foi entregue à Transbrasil somente em novembro de 1973.

Antes que recebesse o PP-SDS, a empresa teve seu nome mudado para Transbrasil S/A - Linhas Aéreas, e sua sede foi transferida de São Paulo para Brasília.
Propaganda veiculada no final de 1973 nas revistas
O esquema de pintura dos aviões foi inteiramente reformulado, a partir daí. Seis esquemas de cores foram criados para as aeronaves, e cada um recebeu um nome. A princípio, não haveria dois esquemas iguais. Assim, o PP-SDS, ao chegar, trazia um esquema verdadeiramente chocante, para a época, denominado "Sol", em vermelho-alaranjado em baixo e amarelo-mostarda em cima. O avião logo foi apelidado pelos passageiros e tripulantes de "salsichão", ou de "salsicha com mostarda". Tal esquema ficou bastante popular, e foi usado em um Embraer Bandeirante e em um Dart Herald da empresa, além do One Eleven.
O PP-SDR em Congonhas, 1975, usando o esquema de cores denominado "Trigo"
O PP-SDQ recebeu um esquema denominado "Café", marrom embaixo e bege, em cima, e o PP-SDR recebeu um esquema denominado "Trigo", amarelo escuro embaixo e amarelo claro em cima.

As carenagens dos motores receberam pintura em preto, com a inscrição "Super Jet 500". Os nomes One Eleven, BAC, ou 111, jamais foram aplicados em nenhuma aeronave, e o avião ficou conhecido por todos pelo infame apelido de "Jatão". 
O PP-SDT em Congonhas, maio de 1975, usando o esquema denominado Amazônia (foto de Reginald Rowe)
A Transbrasil, para promover seu Jatão, elevou substancialmente o seu padrão de atendimento. Um serviço de bordo denominado "Cisne Real" foi implantado, e era muito sofisticado, capaz até mesmo de competir com o serviço de bordo da Varig, cujo padrão era reconhecido internacionalmente. Pratos como caviar, camarão e queijos finos importados eram oferecidos, assim como feijoada completa às quartas-feiras e sábados. Acompanhando, também havia bebidas importadas, como whisky, champanhe e vermute. além de uma carta de vinhos finos. Também havia o serviço "Baby Service", que oferecia comissárias treinadas em cursos de puericultura, leite em pó, fraldas descartáveis, mamadeiras, cotonetes e óleo para bebês. Por fim, a Transbrasil chegou a oferecer um inédito serviço de telefone a bordo, com o qual o passageiro poderia ligar para qualquer telefone do Brasil ou do Exterior. Era bastante limitado, pois dependia de uma estação de rádio em Brasília e só funcionava num raio de 200 Km da cidade, mas funcionava e foi uma evolução considerável para uma época na qual telefones celulares ainda eram ficção científica.

As comissárias passaram a ser denominadas "Anfitriãs do Ar", e receberam uniformes nas mesmas cores das aeronaves.

O avião, em si, mostrou-se bastante confortável e prático, pois tinha bastante independência de estrutura de solo, dispondo de uma escada retrátil na porta dianteira esquerda e de uma escada retrátil abaixo da cauda. Uma APU (Auxiliary Power Unit) permitia dar a partida nos motores sem qualquer auxílio externo, além de manter sistemas elétricos e ar condicionado com os motores desligados. Mesmo que os motores Rolls-Royce Spey fossem extremamente barulhentos do lado de fora, em voo o avião tinha interior razoavelmente silencioso, pela configuração de motores na cauda. Sendo novos, os problemas de manutenção eram relativamente reduzidos, e as escalas e horários costumavam ser cumpridos com regularidade.
Os One Eleven coloridos. De cima para baixo: PP-SDT, PP-SDQ, PP-SDS, PP-SDU, PP-SDR e PP-SDV
Os motores Rolls-Royce RB 163 Spey Mk 212-14DW, de 12.550 lbf de empuxo, davam ao avião um desempenho muito satisfatório em voo, mas decolagens com peso máximo eram críticas, em alguns aeroportos de pista mais curta, como o de Congonhas, em São Paulo, ou Londrina, no Paraná. Nesse caso, usava-se o recurso de injeção de água nas câmaras de combustão, para aumentar o empuxo. Usava-se quase a pista toda, e o ruído produzido, assim como a fumaça, eram notáveis, mas dava resultado, tanto que os One Eleven nunca sofreram acidentes na decolagem em toda a sua carreira no Brasil.

Em 1973, a Transbrasil, satisfeita com os aviões, resolveu adquirir mais um avião, usado, que veio da British Midland. Três Dart Herald da empresa, os PP-SDG, PP-SDI e PP-SDN, foram entregues à British Midland como parte do negócio. Este avião, modelo -523FJ, chegou em 4 de maio de 1973, e foi matriculado no RAB como PP-SDT. Recebeu um esquema de pintura colorida, em verde escuro embaixo, e verde claro em cima, denominado "Amazônia".

Em 08 de novembro de 1973, o PP-SDU foi entregue, e em 11 de abril de 1974, veio, arrendado, o PT-SDV. O PP-SDU recebeu um esquema azul-escuro embaixo e azul-claro em cima, denominado "Céu", e o PP-SDV recebeu um esquema vermelho escuro embaixo e rosa em cima, denominado "Vinho".
O PP-SDR em Congonhas, São Paulo

Com mais aviões, novos destinos foram incorporados às rotas do Jatão, como Londrina, Campinas e Foz do Iguaçu.
O G-AZMF da British Caledonian operou na Transbrasil durante o ano de 1974, e manteve o mesmo esquema de cores

Em 1974, embora já estivesse recebendo aeronaves Boeing 727-100, a Transbrasil arrendou, por curto tempo, uma aeronave da British Caledonian, um modelo -530FX. Esse avião chegou em 15 de fevereiro de 1974, permaneceu no esquema de pintura básico da British Caledonian, e foi matriculado no RAB como PT-TYY. Foi devolvido em 13 de dezembro de 1974.
O PP-TYV no Galeão

Finalmente, em 1974, e ainda precisando dos One Eleven, a  Transbrasil arrendou dois aviões, modelo -518FG, que eram operados pela Court Line. O primeiro deles chegou em 10 de outubro de 1974, e foi matriculado como PT-TYW. O segundo chegou em 6 de dezembro de 1974, e foi matriculado PT-TYV. Ambos mantiveram a pintura rosa em três tons da Court Line, e as carenagens dos motores em alumínio, sem pintura. A chegada desses aviões permitiu ampliar os destinos e incorporar Belo Horizonte, Ilhéus e Fernando de Noronha.
O PP-SDV, em 1976

Com a desativação dos Embraer E110 Bandeirante e Dart Herald, entre 1975 e 1976, todas as rotas da Transbrasil começaram a ser servidas exclusivamente por aeronaves a jato, One Eleven e Boeing 727. Com a chegada de mais 727, os One Eleven começaram a ser devolvidos ou vendidos.

As aeronaves PP-SDQ e PP-SDS foram acidentadas, e foram retiradas definitivamente de serviço, mas o PP-TYW foi devolvido em setembro de 1975, seguido pelos PP-SDV, vendido em dezembro de 1976, PP-SDR, em janeiro de 1977, PP-SDT, em agosto de 1977 e PT-TYV, devolvido em dezembro de 1977. O último One Eleven da Transbrasil, o PT-SDU, ainda pintado em azul, foi finalmente devolvido em abril de 1978, e a partir dessa data, todos os voos da Transbrasil passaram a ser servidos por aeronaves Boeing 727-100, até 1982, quando um Boeing 707 foi arrendado.
Despedida do PP-SDU, último One Eleven a voar na Transbrasil

O registro de segurança dos One Eleven no Brasil pode ser considerado bom, pois, embora duas aeronaves tenham sido perdidas em acidentes, não houve feridos graves, nem vítimas fatais, em nenhum deles.

O PP-SDQ acidentou-se no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, quando pousava, às 21 horas e 15 minutos de 2 de fevereiro de 1974. A pista estava molhada, o avião derrapou e acabou dando um "cavalo-de-pau", mas parou antes do barranco existente no final da pista. Alguns passageiros apavorados acabaram se ferindo levemente ao evacuar o avião, mas ninguém se machucou seriamente. O avião foi considerado perda total e foi desmontado.
Desenho do PP-SDS nas suas cores originais, de 1972

O PP-SDS, o famoso "Salsichão", acidentou-se também sob forte chuva às 22 horas e 30 minutos de 4 de janeiro de 1977, no Aeroporto de Viracopos, em Campinas, depois de arremeter três vezes. Derrapou na pista, avançou sobre um lodaçal e sofreu severos danos. Nenhum ocupante da aeronave se feriu, mas o avião ficou algum tempo estacionado no aeroporto, e acabou sendo vendido, no estado em que se encontrava, para a empresa americana Tigerair em 1979.

Os One Eleven operados pela Transbrasil, em sua maioria, tiveram longa carreira depois que deixaram a empresa, e alguns ainda estavam voando no início do Século XXI, com mais de 30 anos de idade.

AERONAVES BAC 111 ( ONE ELEVEN) OPERADOS PELA SADIA/TRANSBRASIL:

PP-SDP: BAC 111-521FH, c/n 192. Primeiro voo em 15/10/1969. Entregue novo à Austral em 21/11/1969, como LV-JNR. Arrendado à Sadia em 17/09/1970, pintado no esquema básico da Austral em branco, vermelho e preto. Devolvido em 08/01/1971 para a Autral, como LV-JNR, arrendado no verão de 1971 para a Court Line, como G-AYXB, e destruído em acidente em Baia Blanca em 04/12/1973;

PP-SDQ: BAC 111-520FN, c/n 228. Primeiro voo em 21/09/1970. Entregue novo à Sadia em 15/10/1970, pintado em branco, verde e amarelo. Transferido para a Transbrasil em 06/1972, pintado em marrom e bege. Destruído em acidente em Congonhas, São Paulo em 02/02/1974, sem vítimas, e desmontado;

PP-SDR: BAC 111-520FN, c/n 230. Primeiro voo em 11/11/1970. Entregue novo à Sadia em 31/12/1970, pintado em branco, verde e amarelo. Transferido para a Transbrasil em 06/1972, pintado em amarelo claro/escuro. Vendido à BAC, como G-BEKA, arrendado à Arkia Israel (4X-BAR), Dan-Air London (G-BEKA). Depois, foi para a British World Airlines (G-OBWC) e para a Albarka Airlines (5N-BBQ). Deixou de operar depois de danificado pelo mau tempo, no solo, em Abuja, Nigéria, em 27/03/2002;

PP-SDS: BAC 111-520FN, c/n 236. Primeiro voo em 30/04/1971. Entregue novo à Transbrasil em 23/09/1972, pintado em vermelho e amarelo escuro. Acidentado no pouso em Campinas, São Paulo em 05/01/1977, sem vítimas. Vendido para a Tigerair Inc. em 14/03/1979, como N110TA, e registro cancelado em 17/10/1980;

PP-SDT: BAC 111-523FJ, c/n 193. Primeiro voo em 25/09/1969. Entregue novo à British Midland Airways em 17/01/72, comprado pela Transbrasil em 04/05/1973, pintado em verde claro e escuro. Vendido em 03/08/1977 para a Faucett - Peru, como OB-R1173. Voou pela British Caledonian/British Airways e European Air Charter como G-AXLL, e pela Savanah Airlines (5N-BDU). Retirado de uso em 11/2001, e abandonado em Abuja, Nigéria;
O 5N-BDU, antigo PP-SDT da Transbrasil, abandonado, mas ainda em boas condições em Abuja, na Nigéria

PP-SDU: BAC 111-523FJ, c/n 211. Entregue novo à British Midland Airways em 12/03/1970, comprado pela Transbrasil em 09/1970 e entregue somente em 08/11/1973, pintado em azul claro e escuro. Foi retirado de serviço em abril de 1978, e arrendado à Aviateca, como TG-AYA. Vendido à Cayman Airways (G-ALXN), voou depois com a BIA - British Island Airways e com a Ryanair (G-EKPT e EI-CCX). Seu último operador foi a Oriental Airlines, da Nigéria, como 5N-EYI, onde começou a operar em 12/1994. Retirado de serviço em data incerta e destino final ignorado;

PP-SDV: BAC 111-523FJ, c/n 199. Primeiro voo em 26/12/1969. Entregue novo à British Midland Airways, como G-AXLM, em 05/03/1970, arrendado à Transbrasil em 11/04/1974, pintado em vermelho escuro e  rosa. Devolvido em 1976 à British Midland, foi vendido em 01/1978 e arrendado à Cyprus Airways, ainda como G-AXLM. Voou depois na Arkia Israel (4X-BAS) e na Philippine Airlines (RP-C1194), e vendido em 01/1996 para a European Aviation Air Charter, que desmontou o avião em Manchester, no mesmo ano.


PP-TYV: BAC 111-518FG, c/n 200. Primeiro voo em 25/11/1969. Entregue novo à Court Line em 05/12/1969, como G-AXMF. Arrendado à Transbrasil em 11/04/1974, manteve o esquema de cor rosa em três tons do antigo operador, e operou até 11/1977, quando foi devolvido à Court Line. Foi depois LV-MEX, na Austral e na Air Patagonia, e depois VR-BED e G-IIIH, na European Aviation Air Charter. Desmontado em Bornemouth, Inglaterra, em 04/2001;

PT-TYW: BAC 111-518FG, c/n 206. Primeiro voo em 22/04/1970. Entregue novo à Court Line em 30/04/1970, como G-AXML. Arrendado à Transbrasil em 10/10/1974, manteve o esquema de cor rosa em três tons do antigo operador, e operou até 09/1975, quando foi devolvido à Court Line. Foi depois TG-AVA, na Aviateca, e LV-MRZ, na Austral. Retirado de serviço em 12/1994. Foi preservado como um restaurante em Buenos Aires, mas com deriva e estabilizador de um MD-88, o LV-VCB;
O ex-PT-TYW da Transbrasil sendo usado como restaurante, em Buenos Aires, mas com empenagem de um MD-80

PT-TYY: BAC 111-530FX, c/n 240. Primeiro voo em 04/03/1972. Entregue novo à British Caledonian Airways em 14/03/1972, como G-AZMF. Arrendado em 15/02/1974 à Transbrasil, e devolvido em 13/12/1974. Manteve a pintura básica da British Caledonian, tendo somente o logo da Transbrasil aplicado. Voou depois na Air Malawy, como 7Q-YKJ, voltando depois na British Airways como G-AZMF. Foi para a European Aviation Air Charter, ainda como G-AZMF, e operou até a empresa cessar operações, em 02/12/2008. Retirado de serviço em Bornemouth, Inglaterra, e situação atual incerta.
O G-AZMF, ainda em boas condições de conservação, em 2008

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Boeing 707 na Transbrasil: os "Transformers"

No início da década de 1980, a Transbrasil operava uma frota de Boeing 727-100, que fizeram bastante sucesso devido à sua versatilidade, pois os aviões, do modelo QC (Quick Change) operavam com passageiros durante o dia e carga à noite, especialmente malotes postais.
O PT-TCJ, no Aeroporto Konrad Adenauer, em Colônia/Bonn, em 1985
Omar Fontana, querendo expandir os negócios, criou em 1980 uma subsidiária da empresa voltada para operar serviço de carga internacional, a AeroBrasil Cargo, e resolveu experimentar outro modelo de avião nesse tipo de operação, arrendando da Varig, em setembro de 1982, um Boeing 707-341C, o PT-VJS. Esse avião, por ser conversível carga/passageiros, era muito versátil, e estava sendo oferecido no mercado por preços muito baixos, devido à legislação antipoluição e de restrição de ruídos recentemente implantada nos Estados Unidos e na Europa. Tinha grande alcance e boa capacidade de carga, embora fosse considerado obsoleto, ruidoso e grande consumidor de combustível.
O PT-TCJ, em Miami, e ainda com a matrícula americana N707AD, logo após ser arrendado da Arrow Air.
A experiência foi satisfatória, ainda que o DAC não tenha permitido a operação internacional de cargas, de início. O PP-VJS foi usado principalmente para transportar carga na rota entre São Paulo e Manaus, mas operando a partir de Viracopos, em Campinas, pois o aeroporto de Guarulhos ainda não estava pronto naquela época. Posteriormente, o DAC alterou a legislação e o avião finalmente pode fazer transporte de carga internacional, para alguns destinos nos Estados Unidos, Canadá e Luxemburgo.
O PP-VJS, arrendado da Varig, foi o primeiro 707 da Transbrasil, e o único a receber a inscrição "Cargo" na cauda.
A Transbrasil, logo após devolver o PP-VJS à Varig, em novembro de 1984, arrendou o PT-TCJ, em dezembro. Depois comprou os PT-TCK, PT-TCL, PT-TCM, PT-TCN e PT-TCO, entre fevereiro e maio de 1985. Os aviões PT-TCK, PT-TCL e PT-TCN foram transformados em aeronaves QC (Quick Change), para complementar a frota de Boeing 727 do mesmo modelo, na própria Transbrasil, uma vez que a Boeing nunca colocou tal modelo de Boeing 707 no mercado. Voavam passageiros durante o dia, e transportavam carga à noite, em geral malotes postais da RPN - Rede Postal Noturna, da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, sob contrato. As aeronaves PT-TCM e PT-TCO sempre operaram apenas carga, e o PT-TCJ foi mantido na configuração original Combi.
O PP-TCM em Toronto, em 1986.
A conversão dos 707 em versão QC, até então inédita, foi invenção da Transbrasil, que, depois de procurar projetos parecidos no exterior, sem sucesso, resolver fazer uma solução doméstica, baseada no que a equipe de manutenção conhecia dos 727. A conversão foi, afinal, bem sucedida, e como o 707 não tinha a galley central, como os 727-100, a solução acabou sendo muito prática e funcional.
O PT-TCL em Guarulhos, em 1986, em configuração -QC.
O que marcou a operação dos Boeing 707 nos primeiros tempos da AeroBrasil foi o contrato com a Engesa, que fabricava armamentos pesados para exportação. Os principais contratos da Engesa eram com o Iraque, o que demandava viagens muito longas. O transportador principal da Engesa foi a AeroBrasil, que configurou pelo menos dois 707, o PT-TCK e o PT-TCP com um interior VIP, e camas para os passageiros, bem ao estilo dos antigos carros-leito dos trens de passageiros. As aeronaves cargueiras acabaram fazendo muitos voos para o Iraque.
Dormitório instalado num Boeing 707 da Aero Brasil, a serviço da Engesa
Os Boeing 707 colocados a serviço dos executivos da Engesa foram dotados de vários luxos, como salas de reunião, bar e camas, incluindo uma cama de casal. Eram luxos necessários para enfrentar os longos voos em direção ao Iraque.
Cama de casal incorporada ao interior VIP de um 707 a serviço da Engesa
Bar do interior de um Boeing 707 a serviço da Engesa
Ao contrário dos Boeing 727, no entanto, os 707 se revelaram mais problemáticos. Feitos para longos voos internacionais, já muito voados, e submetidos à operação doméstica intensa, deram muita dor de cabeça para a manutenção. Consequentemente, davam muitas panes, inclusive de motor, o que atrasava os voos e aborrecia os passageiros. Alguns passageiros habituais dos 707 costumavam ligar para a empresa antes dos voos, para saber de quanto tempo seria o atraso, de tão comuns que eram.

Entre os voos de passageiros, estava o TR 706, que saia de Porto Alegre às 9 horas da manhã, três vezes por semana, e tinha como destino Fortaleza, onde chegava às 16 horas, depois de fazer escalas no Galeão e no Recife. Os voos TR 704/705 ligavam Porto Alegre-Galeão-Porto Alegre. Outras cidades servidas pelos 707 de passageiros eram Manaus, Salvador, Brasília, Natal, Belém e Guarulhos. Ou seja, praticamente os 707 eram usados como se fossem 737, e não eram feitos para isso, e sim para longos voos internacionais, com poucos ciclos.

Os 707, ao contrário dos 727, não era nada populares entre os passageiros. O 707 não tinha APU (Auxiliary Power Unit), era totalmente dependente de  equipamento de terra, como GPU (Ground Power Unit) e LPU (Low Pressure Unit), e não tinham ar condicionado quando estavam em terra e com motores desligados, o que tornava o interior da aeronave um verdadeiro forno quando o tempo estava quente. As panes de motor assustavam, embora em geral os passageiros confiassem na segurança do voo, pela presença dos quatro motores.
O PT-TCP em Guarulhos
Mesmo assim, alguns 707 chegaram a fazer fretamentos internacionais de passageiros, principalmente para as Bahamas.

Os pilotos, geralmente, preferiam voar os 727, pois os 707 eram pesados de comando, sem assistência hidráulica nos profundores e ailerons, e eram bem complexos e difíceis de operar.
O PT-TCJ em Zurich, 1986
Na empresa, acabaram conhecidos pelo infame apelido de "Transformers": supostamente, decolavam quadrimotores, voavam trimotores e pousavam bimotores.

 Em 1987, a Transbrasil praticamente suspendeu as operações de passageiros com os Boeing 707, depois de um sério incidente com o PT-TCP, que literalmente perdeu um motor em voo, e vendeu os aviões PT-TCK, PT-TCL, em 1987, e o PT-TCJ em 1988, mantendo o PT-TCQ, que não tinha porta de carga, para eventuais fretamentos e operações especiais. Todos os demais aviões da frota, PT-TCM, PT-TCN, PT-TCP e PT-TCS passaram a operar exclusivamente carga. O PT-TCO foi perdido em acidente no pouso em Manaus, e o PT-TCR foi vendido, em julho de 1987, como spare parts para o Programa KC-135E da USAF, e transladado para Davis-Monthan AFB, em Tucson, para nunca mais voar.
O PT-TCM foi um dos Boeing 707 exclusivamente cargueiros da Aero Brasil
Na frota, os 707 foram bem substituídos pelos novos Boeing 737-300, que estavam entrando em operação. Os passageiros não sentiram saudades dos 707, pois os 737-300 eram novos e muito mais confiáveis, além de mais confortáveis.
O PT-TCR no deserto, em Davis-Monthan AFB. Foi utilizado como fornecedor de peças para o Programa KC-135E da USAF
O PT-TCQ teria sido colocado à venda, mas tinha baixa cotação no mercado, por não ter porta de carga, embora fosse o 707 mais novo da frota. Assim como o aconteceu com o PT-TCR, foi vendido, em 1991, como spare parts para o Programa KC-135E da USAF, e transladado para Davis-Monthan AFB, em Tucson, Arizona. Terminou seus dias num pátio de sucateiros da Southwest Alloys, em Tucson.
O PT-TCQ, no pátio de um ferro-velho em Tucson
Em 16 de janeiro de 1987, o PT-TCP, transportando cerca de 150 passageiros, voava em direção a Recife/PE, quando os pilotos notaram que o motor nº 2 (interno, do lado esquerdo) tinha sofrido um flame out (apagamento), quando o avião sobrevoava a localidade de Moreno/PE. Como estavam a apenas 25 Km do destino, pousaram sem problemas com o avião trimotor, e só então perceberam que o motor 2 não tinha simplesmente se apagado. Tinha se desprendido do pilone e caído em algum lugar no caminho. O motor foi encontrado em uma área rural despovoada e não cultivada em Moreno, sem dar prejuízos a terceiros.
O PT-TCP fazendo reparos temporários em Recife, antes de um translado trimotor
O problema é que a Transbrasil não tinha equipamento e nem pessoal para reparar o avião em Recife. Foi então decidido transladar o avião para Brasília, com um motor a menos, com peso reduzido e só com tripulação mínima a bordo. O pilone foi removido e os gaps foram fechados com remendos temporários. O voo foi bem sucedido e o avião voltou a voar pouco tempo depois.
O PT-TCP decolando trimotor em Recife, rumo a Brasília para fazer os reparos definitivos.
Em 11 de abril de 1987, o PT-TCO sofreu um grave acidente ao pousar por ILS no Aeroporto Eduardo Gomes, em Manaus/AM, sob forte chuva. A aeronave tocou no solo do lado direito da pista, derrapou e o trem de pouso direito entrou em colapso. A asa direita destruiu luzes de balizamento e outros equipamentos, mas a aeronave parou logo após, com danos não reparáveis, mas sem vítimas entre os 7 tripulantes a bordo.
O PT-TCS incendiado em uma favela de Guarulhos (foto: Revista Veja)
Em 21 de março de 1989, o PT-TCS foi destruído no pior desastre de Boeing 707 na Transbrasil. O avião procedia de Manaus/AM, e estava em uma aproximação muito alta e veloz para a pista 09R, quando a tripulação, com intenção de perder velocidade e altitude para pousar em segurança, acionou os spoilers a baixa altura. A aeronave afundou bruscamente, e acabou atingindo o solo, em uma área de favelas a oeste da pista. A aeronave foi totalmente destruída no choque e no fogo subsequente, matando seus 3 tripulantes, e mais 22 pessoas em terra. Mais de 100 pessoas sofreram ferimentos, e muitas casas foram destruídas.
Um dos motores do PT-TCS acabou invadindo um bar em Guarulhos
Finalmente, em 26 de novembro de 1992, o PT-TCP foi danificado durante a decolagem em Manaus, e ao retornar ao aeroporto, seu trem de pouso entrou em colapso. Os tripulantes nada sofreram, mas o avião teve perda total.
O PT-TCP nas cores exclusivas da AeroBrasil, em 1992
Os dois Boeing 707 remanescentes, os PT-TCM e PT-TCN continuaram voando até junho de 1996, quando foram retirados de serviço e colocados à venda. Nessa época, com quase 30 anos de idade, esses aviões estavam entre os Boeing 707 mais voados do mundo, com quase 100 mil horas de voo cada um, mas, incrivelmente, foram adquiridos pela Brasair/Beta Cargo, e voaram vários anos por essa empresa. De fato, em 2004, o PP-BSE, ex-PT-TCM, sofreu um colapso do trem de pouso durante o táxi, que literalmente atravessou sua asa, por fadiga e rompimento da fixação do trem na longarina da asa.
O PT-TCM nas cores da Aero Brasil, seu esquema final de pintura
Durante os anos 90, a AeroBrasil  chegou a operar alguns 707 arrendados em regime de wet leasing, e um deles chegou a receber uma matrícula brasileira, que provavelmente não foi usada (PT-TCT). A matrícula PT-TCU também teria sido reservada para outro 707, mas o avião nunca veio para a empresa, embora tivesse sido arrendado anteriormente, em 1994, pela Aero Brasil, em regime de wet leasing, e ambas as matriculas foram canceladas.
O EL-EKH operando para a AeroBrasil. Foi registrado no RAB como PT-TCT, mas tal matrícula, aparentemente, jamais foi aplicada ao avião.
Os Boeing 707 foram os únicos aviões quadrimotores usados pela Transbrasil durante a sua história.


AERONAVES BOEING 707 OPERADAS PELA TRANSBRASIL/AEROBRASIL (1982-1997):

PP-VJS: Boeing 707-341C, c/n 19321/532, primeiro voo em 14/11/1966, comprado novo pela Varig e entregue em 28 de dezembro de 1966. Foi arrendado para a Transbrasil em 29 de setembro de 1982. Devolvido para a Varig em novembro de 1984, que vendeu o avião para a ALG Inc., como N107BV. Foi arrendado para a Buffalo Airways, Malev Hungarian Airlines, Fast Air Cargo e AZAL - Azerbaijan Hava Yollari (como 4K-AZ3). Retornou para a ALG Inc. como N8190U, e foi desativado em março de 1999, sendo desmontado em Southend/UK, em fevereiro de 2000;

PT-TCJ: Boeing 707-327C, c/n 19529/632, primeiro voo em 10/02/1967, entregue novo para a Braniff como N7102, e pintada na cor laranja. Voou depois para a MSA - Malaysia-Singapore Airlines, como 9M-AQB e 9V-BFC, Singapore Airlines, como 9V-BFC, IALI, Arrow Air, Challenge Air Cargo e Jet America Airlines, como N707AD, e arrendado para a Transbrasil em dezembro de 1984. Foi para a Starflite Corp. em  julho de 1988, como N707AD, e depois para a S.R. Acquisition Corp, Hanover MD e Asnet Inc. Foi desativado, tendo seu registro cancelado em 15/04/2003. Situação atual da célula incerta;

PT-TCK: Boeing 707-323C, c/n 19519/619, primeiro voo em 27/08/1967, entregue novo para a American Airlines como N7599A. Voou depois na American Transair e foi comprado pela Transbrasil em fevereiro de 1985. Convertido em modelo -QC. Vendido em setembro de 1987 para a Omega Air Inc. como N5065T, passou depois pela Air Swazi Cargo (3D-ASB), Real Aviation Ltd. (9G-OLU), Zaire Express (9Q-CKB), Air Cess Liberia (EL-RDS), Air Ghana ( 9G-AYO), e Equaflight Service (TN-AGO). Acidentado por colapso de trem de pouso em 07/09/2001 em Elizabethville, no Congo, e desmontado;

PT-TCL: Boeing 707-323C, c/n 19517/614, primeiro voo em 14/08/1967, entregue novo para a American Airlines como N7597A. Voou depois na ATA e comprado pela Transbrasil em fevereiro de 1985. Convertido em modelo -QC. Vendido para a Israel Aircraft Industrie, como 4X-AOY, em novembro de 1987. Voou depois na Air Lesotho, Safair e Swazi Air Cargo (7P-LAN), Seagreen (N29AZ), LAN Airlines (CC-CDI), Aero Zambia (N29AZ) e Interair South Africa (ZS-IJI). Desativado em 01/2000 e armazenado em Polokwane, África do Sul. Situação atual da célula incerta;

PT-TCM: Boeing 707-330C, c/n 19317/557, primeiro voo em 21/02/1967, entregue novo para a Lufthansa em 06/03/1967 como D-ABUI, arrendado para a German Air Cargo e comprado pela Transbrasil em fevereiro de 1985. Em janeiro de 1991 passou para a subsidiária AeroBrasil Cargo, onde operou até 11/1996, e vendido para a Beta Brasilian Express, como PP-BSE, com mais de 100 mil horas de operação. Acidentado no solo por ruptura da asa, em 29/10/2004, em Manaus, e desmontado;
O PT-TCN num esquema único de pintura
PT-TCN: Boeing 707-323C, c/n 20088/727, primeiro voo em 02/07/1968, entregue novo para a American Airlines em 17/07/1968 como N8416. Voou depois para a American Trans Air, e comprado pela Transbrasil em março de 1985. Convertido em modelo -QC. Transferido para a subsidiária AeroBrasil Cargo em 1992, e vendido para a Brasair em 02/1997, como PP-BRR. Transferido para a Beta Cargo em 11/2000, voou até 2006, e foi vendido como sucata em 2009. Desmontado no aeroporto de Viracopos, em Campinas;

PT-TCO: Boeing 707-330C, c/n 18932/477, primeiro voo em 26/02/1966, entregue novo para a Lufthansa em 11/03/1966 como D-ABUE, arrendado para a German Air Cargo e comprado pela Transbrasil em maio de 1985. Foi perdido em acidente no dia 11/04/1987, em Manaus/AM, durante o pouso, sem vítimas, e desmontado;

PT-TCP: Boeing 707-365C, c/n 19416/556, primeiro voo em 19/02/1967, encomendado pela British Eagle, mas não entregue. Foi para a Airlift International em 14/04/1967 como N737AL, e depois para a Transavia (PH-TRW), British Airways e British Caledonian Airways (G-ATZC), arrendado para a Biman Bangladesh, depois vendido para a Worldways Canada (C-GFLG). Foi arrendado para a Transbrasil em fevereiro de 1986, e transferido para a AeroBrasil Cargo em janeiro de 1991. Foi perdido em acidente em Manaus/AM, por colapso do trem após o pouso, sem vítimas, e desmontado;

PT-TCQ: Boeing 707-336B, c/n 20456/851, primeiro voo em 10/02/1971, entregue novo para a BOAC (depois British Airways) como G-AXXY. Depois foi para a Maof Airlines (4X-BMC), e para a Omega Air (N343A). Comprado pela Transbrasil em fevereiro de 1986, foi único modelo -B (só para passageiros) operado pela Transbrasil. Foi vendido para desmonte, para o AMARC, da USAF, desmontado em Davis-Monthan AFG em junho de 1991, e vendido como sucata para a Southwest Alloys, de Tucson, Arizona;
O PT-TCR
PT-TCR: Boeing 707-321C, c/n 20018/761, primeiro voo em 14/11/1968, entregue novo para a Pan American, como N872PA em 22/11/1968. Vendido para a Kuwait Airways, como 9K-ACU, e doado 6 anos depois para a Biman Bangladesh. Comprado pela Transbrasil em abril de 1986. Foi vendido em julho de 1987 para desmonte, para o AMARC, da USAF, desmontado em Davis-Monthan AFG para aproveitamento de motores e componentes. Seus restos ficaram muito tempo no AMARC, e não se sabe se, ou quando, foram vendidos.
O PT-TCS no Galeão, em 1987
PT-TCS: Boeing 707-349C, c/n 19354/503, primeiro voo em 09/06/1966. Entregue novo para a Flying Tigers, como N324F, voando depois para a Aer Lingus (EI-ASO), Qantas (VH-EBZ), British Caledonian (G-BAWP), Zâmbia Airways (EI-ASO e 9J-AEC), Biman Bangladesh (S2-ACG), Libian Arab Airlines (EI-ASO), Arkia Israel (EI-ASO), e Omega Air (N324F). Comprado pela Transbrasil em janeiro de 1987, foi destruído num acidente em Guarulhos/SP, transportando carga, em 2 de março de 1989, durante a aproximação. Os 3 tripulantes, e mais 22 pessoas em terra, faleceram no acidente, e mais de 100 ficaram feridas.

PT-TCT: Boeing 707-338C, c/n 19296/630, primeiro voo em 02/09/1967, Entregue novo para a Qantas, como VH-EBW em 10/10/1967. Voou depois como G-BDEA na British Caledonian, Anglo Cargo e British Airways, e na Omega Air como EL-AKH. Arrendado para a Transbrasil em dezembro de 1992, em regime de wet leasing. Embora tivesse registro brasileiro, provavelmente operou com o registro do arrendador, EL-AKH. Foi para a Grumman Aerospace como N6546L, para conversão em aeronave militar no programa Joint-STAR da USAF.Transferido para a USAF como Boeing E-8C, em 1998, onde está presumivelmente operando como USAF 93-1097;

PT-TCU: Matrícula reservada no RAB para o Boeing 707-347C, c/n 20316/825, mas nunca utilizada. A aeronave foi usada pela AeroBrasil em 1994, em regime de wet leasing, com a matrícula HR-AMF, da Omega Air Ltd. Foi para a USAF, com registro 93-0123 para conversão em aeronave militar Boeing E-8C no programa Joint-STAR., em 1998, mas está presumivelmente operando como USAF 93-0043;