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segunda-feira, 30 de junho de 2014

Os sistemas de comunicação de uma aeronave moderna

A comunicação de uma aeronave com os órgãos de controle de tráfego aéreo é essencial para manter a segurança das operações de voo, mas grande parte da população não tem uma ideia clara de quais são os equipamentos utilizados e nem quais são as suas funções.
Sistemas de comunicação e navegação à serviço de uma aeronave
Para começar, quase todas as pessoas pensam que o único órgão de controle de tráfego aéreo existente é a torre de controle. Na verdade, existe uma grande variedade de órgãos de controle de tráfego aéreo, e alguns desses órgãos sequer estão nos aeroportos. A rede de comunicação dedicada à navegação aérea e muito mais complexa do que as pessoas leigas imaginam, e existe comunicação analógica de curta distância, de longa distância, via satélite, assim como comunicação digital de curta e de longa distância.
Equipamento rádio de uma aeronave Cessna 206
Assim, além da torre de controle - TWR (Tower), responsável pelo tráfego aéreo ao redor de um aeródromo, existe um controle de aproximação, o APP (Approach Control), responsável não apenas pelo tráfego que está se aproximando, mas também pelo tráfego que se está se afastando, dentro de uma terminal aérea - TMA, ou de uma CTR (zona de controle). Fora das TMA e das CTR, o controle do tráfego aéreo é feito pelos centros (ACC - Area Control Center). Quando a aeronave está voando fora de um espaço aéreo controlado, ela pode receber informação de voo, ou assessoramento, nas mesmas frequências utilizadas pelos órgãos de controle.
Equipamento rádio de uma aeronave Boeing 767, situada em um pedestal entre as poltronas dos pilotos
Em aeroportos mais movimentados, existem frequências de rádio específicas para o controle de solo (GNDC - Ground Control), para autorização de plano de voo (CLRD - Clearence for Departures, ou Clearence Delivery), para informação automática de TMA (ATIS - Automatic Terminal Information Service), além de frequências de emergência (121,5 MHz ou 243 MHz), que são recebidas por diversos órgãos de controle, frequências específicas operadas por empresas aéreas e um frequência livre (123,45 MHz), que é usada para comunicação e coordenação entre aeronaves, onde não existem órgãos de controle de tráfego aéreo.

A comunicação aeronáutica depende essencialmente de ondas eletromagnéticas, que são oscilações em fase de campos magnéticos e elétricos, que se propagam através do espaço, não necessitando de um meio físico para isso. Essas ondas propagam energia sem a necessidade de um fio condutor. Propagando energia, podem também, em consequência, propagar informações, e isso é a essência dos equipamentos de rádio e radar, essenciais para a vida moderna. É difícil imaginar como seria a vida se não existissem as ondas eletromagnéticas.

Rádio VHF e transponder, sistema de radar secundário
As ondas eletromagnéticas possuem comportamento diferente conforme a frequência em são transmitidas. A frequência é o número de vezes que uma onda muda de polaridade, positiva ou negativa (um ciclo), em um segundo. Um ciclo por segundo é equivalente a 1 Hertz.

Ondas de baixa, média e alta frequência costumam ter longo alcance, desde que sejam propagadas em grande potência, pois a energia de uma onda tende a se dispersar no espaço, já que geralmente se espalham em todas as direções. Esse alcance ultrapassa a linha do horizonte, formando o que chamamos de ondas terrestres (que se se propagam acompanhando a curvatura da Terra), ou ondas refletidas, que se propagam em linha reta, mas se refletem na ionosfera, camada ionizada da atmosfera terrestre, alcançando receptores muito além da linha do horizonte. Já ondas de muito alta frequência (VHF - Very High Frequency)) e além, só se propagam em linha reta, o que limita seu alcance à linha do horizonte, por maior que seja a potência do transmissor.

Transmissores em VHF são tecnologicamente fáceis e baratos de se construir, além de possuir ótima qualidade de sinal, e são utilizados amplamente para os sistemas de controle de tráfego aéreo de curta distância, como TWR, APP, GNDC, CLRD e ATIS. Para os controle de ACC, antenas repetidoras de sinal ampliam o alcance.
Compartimento de equipamentos eletrônicos de um Boeing 747-400 da Cargolux
As autoridades, obedecendo a acordos internacionais, reservam determinadas faixas de frequência para diferentes usos. A faixa VHF destina à equipamentos de navegação aérea funciona entre as frequências de 108,1 a 117,975 MHz, enquanto a faixa de comunicações vai de 118 a 136 MHz. As transmissões de comunicação em VHF são feitas em amplitude modulada. O alcance varia conforme a altitude da aeronave, pois não ultrapassam a linha do horizonte.

O rádio em longa distância na aviação é provido por transmissores ou receptores em HF (High Frequency). As ondas HF costumam se propagar em repetidas reflexões na ionosfera, e desde que sejam transmitidas em grande potência, podem ter alcance global. Isso é essencial para a comunicação entre aeronaves voando sobre oceanos ou grandes áreas desabitadas e os órgãos de controle.
Compartimento de equipamentos eletrônicos (avionic bay) de um Boeing 747
Infelizmente, transmissões em HF são altamente sujeitas a interferências e ruídos de sinal, o que prejudica a qualidade dos sinais. Para evitar que os pilotos e controladores fiquem ouvindo os chiados e ruídos característicos dessas transmissões, foi criado um sistema chamado SELCAL (Selective Call), que funciona como se fosse um telefone: cada aeronave possui um código de chamada específico, de quatro letras, e o órgão de controle chama a aeronave que deseja por esse código, evitando que os pilotos tenham quer permanecer na escuta permanente do HF (ou até do VHF).
Código SELCAL de uma aeronave neozelandeza
Quando um órgão de controle, por exemplo, contata uma aeronave específica, sinais de aviso, visuais e sonoros, avisam a tripulação que o controle deseja se comunicar, e atendem, como se fosse um telefone.
Antena de HF tipo probe, no topo da deriva de um Boeing 707
Existem sistemas de comunicação via satélite, chamados genericamente de SATCOM. Satélites de comunicação estão geralmente em órbitas geoestacionárias (fixas em relação à superfície da Terra), mas possuem duas limitações importantes: existe um custo de uso do satélite, relativamente elevado, e uma limitação quanto à latitude onde podem operar. Acima dos círculos polares, o sistema praticamente não funciona. Funcionam em onda UHF (Ultra High Frequency). Entretanto, sistemas via satélite são muito úteis para fornecer sinais de Internet e telefonia para passageiros de aeronaves comerciais.
Antenas de uma antiga aeronave militar Douglas C-47
A comunicação aeronáutica convencional é feita por sinais analógicos, por canais de voz. Entretanto, com o aumento do volume de tráfego aéreo, criou-se um grande congestionamento das frequências, o que prejudica a qualidade da comunicação e aumenta o risco à segurança das operações. Para solucionar tal problemas, criou-se uma forma de digitalizar os sinais, convertendo voz ou outras informações em códigos binários, os chamados bytes. Dessa forma, amplia-se a velocidade e o tipo de informação que pode ser transmitidas, otimizando a comunicação. Podem ser transmitidos, nesse caso, mensagens de texto, imagens, ou qualquer tipo de informação que possa ser digitalizada.

Existem, atualmente. sistemas de comunicação digital em VHF, denominados ACARS (Aircraft Communications Addressing and Reporting System), e sistemas semelhantes que funcionam em HF, utilizados em longa distância, denominados HFDL (High Frequency Data Link). A grande vantagem é que esses sistemas podem transmitir mensagem de texto, que não precisam ler lidas em tempo real, e que podem transmitir mensagens automáticas, sem necessidade de intervenção dos tripulantes da aeronave. Atualmente, tais sistemas são utilizados apenas para transmissão de informações para a empresa operadora da aeronave, ou da aeronave para a empresa, mas serão utilizadas para otimizar as informações para o sistema de controle de tráfego aéreo em futuro próximo.
Mensagem meteorológica fornecida por equipamento HFDL
Entre as informações que podem ser transmitidas digitalmente, estão informações de manutenção ou de meteorologia. Uma aeronave pode transmitir, automaticamente, para os mecânicos da empresa, informações sobre mal funcionamento ou panes, sem intervenção dos pilotos. Os mecânicos, portanto, podem otimizar o atendimento à aeronave assim que a mesma pousar, minimizando o tempo necessário para a manutenção. Já houve casos em que tais informações foram utilizadas para esclarecer acidentes aeronáuticos.

Finalmente, complementando o leque de recursos de comunicação em uma aeronave, existem os sistemas de comunicação interna, que funcionam via cabo, e não via rádio. Esses sistemas podem ser simples intercomunicadores entre pilotos ou constituir verdadeiros sistemas de comunicação que possibilitam comunicação entre pilotos, tripulantes de cabine ou mecânicos no solo, que inserem fones/microfones em plugs apropriados, no compartimento do nariz, onde também são inseridas as tomadas para fornecimento de energia elétrica externa.
Painel de comunicação externo de um Boeing 737, que permite a comunicação de um mecânico em terra com os tripulantes do avião. O cabo abaixo fornece energia externa ao avião no solo.
Todos os canais de comunicação de uma aeronave podem ser selecionados através de dispositivos de seleção, que inclusive podem ser sintonizados nos sinais de áudio emitidos por equipamentos de rádio navegação, possibilitando a identificação do transmissor.
Painel de seleção de áudio de um Boeing 737
As antenas necessárias ao equipamento rádio e de radar estão posicionadas estrategicamente na fuselagem, asas e empenagem da aeronave, como mostra a figura abaixo.
Localização das antenas de uma aeronave comercial Boeing 767-200

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Querosene de aviação: conheça o combustível dos motores a reação

Ao contrário do que ocorre com os motores a pistão, que são extremamente exigentes em termos de combustível, os motores a reação podem consumir, ao menos teoricamente, muitos tipos de combustível, desde gás natural até óleo diesel, incluindo óleos de origem vegetal ou até animal.
Abastecimento por pressão de uma aeronave com querosene de aviação
Logo após a Segunda Guerra Mundial, época de criação dos primeiros motores a reação, verificou-se que o melhor combustível para uso nos motores a reação aeronáuticos era o querosene. Esse tipo de combustível era utilizado em grande quantidade para iluminação e aquecimento nas casas do mundo todo, antes do advento da distribuição doméstica de energia elétrica, mas, pós isso, sua utilidade ficou bastante reduzida.

O que é o querosene, afinal? É um derivado do petróleo, composto de hidrocarbonetos com 8 a 16 átomos por molécula, ou seja, é um derivado um pouco mais denso e oleoso que a gasolina. Sendo bem menos volátil que a gasolina, e mais barato que esta, o querosene apresentou grandes vantagens para uso nos motores a reação, que consomem um volume consideravelmente maior de combustível que os motores a pistão.

O fato de ser menos volátil que a gasolina é uma grande vantagem em termos de segurança no manuseio. O querosene comum de aviação tem um ponto de fulgor entre 38ºC e 60ºC, ou seja, somente produz vapores inflamáveis a partir dessas temperaturas. Só para efeitos de comparação, a gasolina tem um ponto de fulgor de -42,8ºC, sendo, portanto, muito mais perigosa.
O querosene é um líquido cuja cor varia do incolor ao amarelo-palha, mais viscoso e mais denso que a gasolina. Não se mistura com a água, embora sua densidade permita que a água fique, eventualmente, em suspensão no combustível, decantando com maior dificuldade do que na gasolina. Não tem tendência a polimerizar, embora a oxidação de alguns de seus componentes tendam a criar uma espécie de goma em combustíveis envelhecidos.

Para uso em aviação, o querosene deve ser aditivado, para prevenir problemas como congelamento, corrosão química ou biológica dos reservatórios ou formação de goma. Os principais aditivos acrescentados ao querosene de aviação são: 
  • Antioxidantes: quando armazenado por longo tempo, alguns compostos do querosene oxidam e formam uma espécie de goma. Os aditivos antioxidantes retardam o tempo de oxidação do combustível e evita a formação de goma. São à base de alquilados fenóis;
  • Antiestáticos: a viscosidade do querosene faz com que o líquido em movimento crie eletricidade estática, que eventualmente pode produzir faíscas. O DINNSA, um arilo do ácido sulfônico, pode prevenir essa tendência;
  • Inibidores de corrosão: esses aditivos, como o DCI-4A, previnem corrosão no sistema de combustível e nos motores;
  • Biocidas: alguns tipos de bactérias e fungos prosperam e se alimentam de hidrocarbonetos, e podem criar extensas colônias nos tanques das aeronaves. Dois tipos de biocida são utilizados como  aditivos no querosene: Kathon FP 1,5 e o Biobor JF
  •  Inibidores de formação de gelo no combustível: a água decanta com dificuldade no querosene, ao contrário do que ocorre na gasolina. Então, simplesmente drenar os tanques não elimina a água contida no combustível, e nas baixas temperaturas, essa água, suspensa sob forma de gotículas, pode congelar e obstruir os filtros de combustível das aeronaves, resultando em falha do motor. Os aditivos anticongelantes previnem esse congelamento, sendo essenciais em aeronaves que não dispõem de sistema de aquecimento do combustível.
  • Desativadores de metal: são aditivos que removem traços de metais que interferem na estabilidade térmica do combustível.

Existem vários tipos de querosene, mas basicamente apenas três tipos são utilizados na aviação civil:
  • Jet-A: Esse tipo de querosene atualmente só é oferecido no mercado nos Estados Unidos e em alguns aeroportos canadenses, como Toronto e Vancouver;
  • Jet-A1: Diferindo do Jet-A principalmente pelo ponto de congelamento mais baixo, -47ºC ao invés de -40º do Jet-A, é o querosene mais utilizado no mundo, disponível em todos os países do mundo. No Brasil, o maior distribuidor desse combustível, a Petrobrás, denomina esse combustível de QAV1;
  • Jet-B: Querosene bem mais volátil e com ponto de congelamento bem mais baixo que os Jet-A e Jet A-1, é utilizado apenas em regiões extremamente frias, sendo comparável ao combustível militar JP-4, e muitas vezes confundido com este. É composto de hidrocarbonetos de 5 a 15 átomos de carbono por molécula, sendo na prática uma mistura de gasolina com querosene.
Na aviação militar dos Estados Unidos e da OTAN, existem vários tipos de querosene com especificação militar, denominados:
  • JP-1: querosene mineral praticamente sem aditivação, utilizado antigamente, mas obsoleto na atualidade;
  • JP-2: querosene obsoleto desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial;
  • JP-3: querosene obsoleto desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial;
  • JP-4: mistura de querosene com gasolina, em proporção 50%-50%, muito volátil e perigosa. Foi amplamente. e preferencialmente, utilizada em aeronaves militares americanas e da OTAN entre 1951 e 1995. É muito semelhante ao combustível civil Jet-B. Não está mais em uso;
  • JP-5: querosene pouco volátil utilizada em aeronaves embarcadas em navios-aeródromos, e semelhante ao combustível civil Jet-A;
  • JP-6: querosene pouco volátil utilizada apenas na aeronave North American XB-70 Valkyrie, e abandonado com o cancelamento do programa desse avião;
  • JP-7: querosene pouco volátil utilizado apenas nas aeronaves Lockheed SR-71 Blackbird e similares (A-12 e YF-12A). Era bastante viscoso e exigia aquecimento prévio em terra para a partida dos motores;
  •  JP-8: praticamente idêntico ao combustível civil Jet-A, o JP-8 substituiu o perigoso JP-4 nas forças aéreas dos EUA e da OTAN em 1996.
  • JP-9 e JP-10: querosenes com ponto de congelamento consideravelmente mais baixo que os querosenes normais. Apenas o JP-9 ainda permanece em uso;
  • JTPS: tipo de querosene com baixo ponto de congelamento desenvolvido especificamente para as aeronaves Lockheed U-2;
  • Zip Fuel: combustível de alta energia, contendo boranos, compostos orgânicos com boro. Foi projetado para aeronaves estratégicas de longo alcance durante a Guerra Fria, mas ficou obsoleto com o advento dos mísseis balísticos intercontinentais, que tornou as aeronaves de ultralongo alcance dispensáveis;
  • Syntroleum: combustível sintético, não derivado de petróleo, desenvolvido pela empresa Syntroleum Corporation especialmente para uso militar nos Estados Unidos. Esse combustível é produzido a partir de gás natural, carvão ou biomassa pelo processo Fischer-Tropsch. Está sendo certificado para uso em todas as aeronaves militares norte americanas.
A presença de água no querosene de aviação é um dos maiores problemas enfrentados pelos operadores de aeronaves a reação. A umidade do ar, condensada em baixas temperaturas, encontradas em grandes altitudes, se mistura sob a forma de gotículas ao querosene e se decanta com grande dificuldade. Eliminar totalmente a água do querosene é praticamente impossível, e o maior problema é essa água congelar e entupir os filtros. Embora a maioria das aeronaves comerciais modernas tenham trocadores de calor lubrificante-combustível, nem sempre esses sistemas conseguem evitar o congelamento da água e a falha dos motores que ocorre em consequência. Um grave acidente ocorreu com o voo British 038, em 17 de janeiro de 2008. O Boeing 777-200 G-YMMM passou, durante o voo, por uma área de temperaturas próximas de -70ºC, o que causou a formação de gelo dentro do combustível, acima da capacidade dos trocadores de calor fazerem o degelo. Os motores falharam durante a aproximação e a aeronave chocou-se com o solo no Aeroporto de Heahtrow, felizmente sem fatalidades, mas com perda total da aeronave.

O querosene de aviação simplesmente não funciona em motores de ciclo Otto. Para evitar o abastecimento indevido de motores a gasolina com querosene, o que é catastrófico, os bocais de abastecimento das aeronaves de motor a pistão não podem ter mais que 60 mm, o que não permite a introdução do equipamento de abastecimento usado nos jatos. Todavia, ainda ocorrem casos de abastecimento indevido de motores a pistão com querosene.

Embora o combustível de jato seja concebido para uso em motores a reação, diversos tipo de motor a pistão de ciclo diesel podem utilizá-lo, sem problemas. É uma alternativa interessante aos motores de ciclo Otto, que usam a cara, perigosa e altamente venenosa gasolina de aviação. e poderá ficar ainda mais interessante, se a gasolina com adição de chumbo for proibida por normas ambientais, o que parece muito perto de acontecer.

Atualmente, diversas pesquisas estão em desenvolvimento para a criação de combustível de motores a reação não derivados de petróleo, mas sim de biomassa, mas isso será objeto de um artigo específico, futuramente.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Soluções engenhosas para problemas espinhosos

Desde a invenção do avião por Santos Dumont, em 1906, os fabricantes de aeronaves tem se deparado com problemas a resolver cada vez que criam um modelo novo ou quando são desafiados a projetar e fabricar aviões para determinados problemas específicos.

A capacidade criativa do homem parece inesgotável, e é muito difícil ocorrer um problema para o qual não se encontre uma solução. Alguns exemplos de soluções engenhosas, para alguns problemas espinhosos, na aviação, podem ser encontrados na lista abaixo:

Pneus de tundra: um dos maiores desafios enfrentados pelos pilotos que precisam operar me regiões muito frias é a grande instabilidade do terreno, durante o verão, quando a neve derrete. Nas altas latitudes, o solo nunca descongela por completo, sempre restando uma camada congelada abaixo, denominada permafrost. O maior problema é que o permafrost impede a infiltração da água que ficou acima, tornando o solo pantanoso e macio demais para a operação de aeronaves ou para a construção de pistas pavimentadas, a não ser a um custo muito muito alto.
Pneus de Tundra em um Piper Super Cub
A vegetação que cresce nesses terrenos, constituída basicamente por liquens, é a tundra, que pelas suas características, torna o terreno mais macio ainda.
A tundra e sua vegetação característica
A solução para a operação de aeronaves nesses terrenos é utilizar os pneus de tundra. Esses pneus tem construção semelhante à dos pneus comuns, mas possuem diâmetro e largura muito maiores, e utilizam pressões muito baixas para o seu enchimento. Como o peso do avião se distribui em uma área muito maior do solo que os pneus comuns, eles não afundam no terreno, ainda que esse seja muito macio.

Uma aeronave Sherpa com pneus de tundra
Como são de pressão muito baixa, os pneus absorvem melhor os choques, possibilitando pousos em terrenos pedregosos e muito irregulares sem forçar a estrutura da aeronave.

A FAA - Federal Aviation Administration, dos Estados Unidos, limita o tamanho dos pneus de tundra a 35 polegadas, ou 89 cm de diâmetro. O maior arrasto durante a decolagem é compensado de modo muito simples: diminuindo a corrida de decolagem utilizando mais potência do motor. Essa maior potência também permite que o avião faça a aproximação com ângulos de ataque enormes, em baixa velocidade, com o uso do motor, reduzindo também a corrida de pouso.

Embora sua invenção possa ser creditada a muitos inventores, em vários países, na América do Norte é atribuída ao canadense Welland Phipps.

APU - Auxiliary Power Unit: Quando os primeiros jatos comerciais entraram em operação, um dos problemas mais críticos enfrentados pelos seus operadores era a necessidade de grande apoio de solo, não apenas nos aeroportos normais de operação, mas também nos aeroportos que pudessem servir de alternativa, em caso de dificuldades.
APU de um Boeing 777 (foto: Blog Aviões e Música)
Normalmente, no solo, um jato comercial tem necessidade de energia elétrica e por ar comprimido em baixa pressão, utilizado não somente para ventilar e condicionar o ar da cabine, mas também para dar a partida nos motores da aeronave. Motores a reação do tipo turbofan precisam girar a velocidades relativamente altas até alcançar uma rotação que permita sua autosustentação, e motores a ar comprimido são utilizados quase universalmente para esse fim.

Os primitivos Boeing 707 e Douglas DC-8, utilizados então em longos voos internacionais em rotas de grande demanda de passageiros e operando em grande aeroportos internacionais, podiam contar com grande apoio de solo, mas quando a Boeing resolveu criar, em 1963, seu primeiro jato verdadeiramente doméstico, o Boeing 727, precisou repensar esse conceito, para aumentar o número de aeródromos onde o avião pudesse ser operado.
APU e seus componentes (foto: Adriano Scarpa)
Na verdade, a solução foi tirada da experiência da empresa com os grandes aerobotes comerciais dos anos 30. Esses aviões tinham um motor auxiliar, de ciclo dois tempos, que acionava um gerador elétrico de corrente alternada, necessário quando os motores do avião estivessem parados.

No Boeing 727 que, por conceito, deveria operar com o menor apoio de solo possível, foi instalado um motor do tipo turboeixo, que acionava um gerador elétrico de corrente alternada. Esse motor também fornecia, através de uma válvula de sangria (bleed valve), ar comprimido suficiente para dar a partida nos motores e para manter o avião ventilado e com temperatura agradável no solo.
APU do Boeing 727, instalada próxima aos trens de pouso principais
A ideia foi copiada por todos os outros fabricantes. No Boeing 727, esse motor auxiliar, hoje mais conhecido por sua designação em inglês Auxiliary Power Unit, ou simplesmente APU, foi instalado na barriga do avião, devido à sua configuração de três motores na cauda, mas na maioria dos outros aviões, a APU está instalada no cone de cauda, onde pode ser notada pelo seu cano de escapamento e pelo ruido intenso que produz.

Golden Canopy: Os canopies, "bolhas" plásticas que protegem o cockpit de vários tipos de aeronaves militares, são peças mais sofisticadas do que parecem.
Canopy do Lockheed-Martin F-16
Como consistem praticamente na única proteção do piloto, devem protegê-lo de todos os perigos existentes no voo normal, como baixas temperaturas, radiações perigosas e relâmpagos.

Os materiais normalmente usados na construção de canopies são o acrílico ou o policarbonato. Um dos problemas desses materiais é que eles não conduzem energia elétrica, o que aumenta o risco do piloto sofrer, por exemplo a descarga de um raio dentro ou próximo de uma nuvem cumulus-nimbus.
Canopy do F-22 Raptor
Outro perigo que os pilotos podem sofrer, especialmente em grande altitude, são as radiações solares ou cósmicas, como ultra-violeta, raios-x e raios gama.Quanto maior a altitude do voo, maior é a incidência de radiações não filtradas e absorvidas pela atmosfera.

A solução encontrada para esses problemas foi aplicar uma camada de ouro metálico, finíssima, sobre o canopy. O ouro é um metal muito denso, e tão dúctil que, de apenas um grama, pode ser feita uma lâmina quadrada de 70 cm de lado e com apenas um milésimo de milímetro de espessura, seis vezes mais fina que um fio de cabelo e praticamente transparente.

O ouro, devido à sua densidade, filtra as radiações em grande altitude, e fornece o efeito de "Gaiola de Faraday" para o canopy, tornando-o condutivo, protegendo o piloto de eventuais descargas elétricas na atmosfera.



Projeto Loon: os balões do Google

Um dos mais bizarros projetos aeronáuticos civis surgidos nos últimos tempos é, sem dúvida, o Projeto Loon, uma rede de balões retransmissores de sinal da Internet lançada pelo Google, e que visa, oficialmente, levar a Internet ao mundo inteiro.

Balão do Projeto Loon sendo apresentado ao público na Nova Zelândia, em junho de 2013
 Considerado pelo Alexa o site mais visitado do mundo, o Google é uma empresa hoje poderosa e gigantesca, com valor de mercado superior a 250 bilhões de dólares americanos. A empresa é agressiva em termos tecnológicos e mercadológicos, e vem desenvolvendo produtos novos a cada momento, visando a expansão dos seus negócios.
Funcionamento de um balão Loon
O laboratório Google X, localizado a cerca de 800 metros da sede administrativa do Google, em Montain View, Califórnia, desenvolve atualmente oito projetos, entre eles o projeto Loon, embora tenha investido considerável investimento em coisas como o teletransporte, por exemplo. É uma instalação semi-secreta, de forma que muita coisa do que se faz lá não chega ao conhecimento da concorrência, e muito menos do grande público.
Balão Loon, construído em polietileno com 0,076 mm de espessura e preenchido com gás hélio
Em 2008, o Google chegou a considerar a compra de uma empresa especializada em lançar balões de comunicações, a Space Data Corp, que lançava balões de hélio a uma altitude de 32 Km, para oferecer comunicação rádio para motoristas de caminhão e operadores de plataformas de petróleo, mas as negociações não prosseguiram. No entanto, a partir desse contato, os pesquisadores do Google X passaram a desenvolver um projeto de balões para disseminar a Internet para todos os lugares imagináveis do mundo, sem depender dos caros satélites.

O Google X começou a desenvolver o Loon a partir de 2011, mas somente em 14 de junho de 2013 é que o projeto foi oficialmente lançado pelo Google. Ao invés de utilizar uma banda de ondas de rádio liberada para uso livre no mundo inteiro, o cientista Astro Teller, principal coordenador técnico do Google X, anunciou, em maio de 2014, que alugaria o sinal dos balões do Loon para os provedores móveis de Internet dos países por onde os balões sobrevoariam.

Um dia após o lançamento oficial, o Google deu início a um projeto piloto na Nova Zelândia, em Lake Tekapo, South Island. Devidamente coordenado com a autoridade aeronáutica civil da Nova Zelândia, foram lançados 30 balões experimentais, e 50 usuários voluntários, utilizando receptores com antenas especiais, experimentaram a navegação na Internet utilizando o sinal dos balões, que utiliza tecnologia equivalente à da banda 3G de telefonia celular, mas cuja célula é transmitida de balão em balão, ao invés de antenas terrestres.

A experiência piloto foi bem sucedida, e o Google projeta enviar, eventualmente, milhares de balões na estratosfera, criando uma rede eficiente e bem pouco custosa, se comparada a qualquer rede que pudesse ser baseada em satélites ou em antenas terrestres.
Balão Loon visto logo após ser lançado
Os balões do projeto Loon, que hoje estão sendo lançados de locais no mundo inteiro, circulam em altitudes duas vezes superior às utilizadas pelas aeronaves comerciais, acima de 60 mil pés. Os balões são manobrados para encontrar ventos de grande altitude, que circulam, nessa altitude, predominantemente, de oeste para leste. Os balões são equipados com estações retransmissoras de rádio, nas frequências não licenciadas de 2,8 e 5,4 GHz ISM, alimentadas por células solares instaladas em cada balão durante o dia, e por baterias durante a noite. Tais células geram cerca de 100 W, suficientes para manter a estação funcionando durante o dia e recarregar as baterias para o funcionamento noturno.

Os balões são feitos de polietileno, com diâmetro máximo de 15 metros e altura de 12 metros, e são preenchidos com hélio. Um sistema de bombas de ar permite manter a altitude constante, e um sistema de paraquedas permite a descida controlada do balão quando o mesmo chega ao final da sua vida útil, hoje em torno de 55 dias. O Google pretende, no entanto, aumentar a vida útil dos balões para 100 dias, o que diminuirá o seu custo operacional.
A Terra vista de um dos satélites do Projeto Loon, a 63 mil pés de altitude
O raio de ação de cada balão é relativamente pequeno, cerca de 20 Km ao redor de cada balão, o que cobre uma área total de 1256 Km quadrados, mas um número grande de balões pode oferecer, teoricamente, uma grande cobertura.

Em maio de 2014, o Google trouxe o Projeto Loon ao Brasil, lançando dois balões, no Piauí. No dia 6 de junho, uma segunda bateria de balões foi lançada, a partir das cidades de Teresina e Campo Maior, no Estado do Piauí. A empreitada foi apoiada pelo governo brasileiro, e foi o primeiro lançamento feito a partir de áreas equatoriais, e utiliza tecnologia 4G, em parceria com a operadora de telefonia celular Vivo e a Telebrás. Durante uma hora, uma escola rural do Piauí usou o sinal para oferecer recursos de Internet aos alunos.
Lançamento de um balão do Google em Teresina, Brasil.
Ninguém, além do Google, sabe o custo total do projeto. Podendo levar a Internet a países que não podem, ao menos por enquanto, oferecer cobertura de Internet via redes terrestres de fibra ótica e a uma fração do custo de uma cobertura via satélite, os balões do Projeto Loon tem sido bem recebidos no mundo, mas, obviamente, isso tem implicações políticas e até militares. Até que ponto vão tais implicações, ainda é cedo para descobrir. Mas, é fato, o balões do Google já estão por aí.
Balão Loon sendo rastreado pelo aluno Rafael Mattos, do curso de Ciências Aeronáuticas da Unopar, em junho de 2014